Dando continuidade ao projeto que apresenta as histórias de outros brasileiros vivendo no Uruguay, contamos com uma nova colaboradora: a Vanessa Gazetta, uma paulista querida que mora em Montevideo há quase um ano.
Ela foi a primeira pessoa que conheci através do blog, trocavamos e-mails até que um dia nos encontramos rapidinho na Zonamerica.
Fiquei muito feliz quando ela aceitou o convite, entendo que muitas perguntas são delicadas e nem todo mundo se sente confortável dividindo suas opiniões tão publicamente, mas a Van encarou como uma forma de ajudar outras pessoas e teve uma paciência enorme com os probleminhas técnicos rs.
Foi um tal do Skype não funcionar, o notebook travar, eu não tinha instalado o programa para gravar a conversa antes de começar, ufa!
Escutando as gravações, percebi que como entrevistadora sou uma ótima entrevistada, gente como eu falo, uma coisa beirando o Faustão! E que coisa estranha escutar a própria voz rs!
Esses temas mexem comigo e me identifico com vários causos que as meninas contam, mas a história hoje é a da Vanessa e vocês conferem agora:
BVU - Como surgiu a ideia de morar no Uruguay?
Já namorava o Francisco há 2 anos, viajava com frequência ao Uruguay, chegou uma hora que precisamos tomar uma decisão: as viagens estavam caras, estava dividida entre os dois países e não conseguia me estabelecer nos dois lugares ao mesmo tempo.
Avaliamos, e por eu gostar mais do estilo de vida do Uruguay, já morar sozinha, achamos que seria mais fácil a minha mudança para cá.
BVU - Como organizou a mudança?
Com bastante antecedência, pesquisei muito e já viajei com todos os documentos prontos do Brasil para iniciar o processo de residência assim que chegasse.
Vendi algumas coisas que tinha, outras doei, e como viajava bastante a Montevideo, fui levando as coisas primordiais - livros, objetos pessoais - aos poucos. Fiz pequenas mudanças no limite de 23 kg da companhia aérea rs.
BVU - Como foi conseguir um lugar para morar?
Quando cheguei ficamos por 3 meses na casa de praia da família do Francisco em Parque Del Plata, que fica a 60km de Montevideo. Não nos preocupamos com móveis nesse período, pois apesar de simples a casa já tinha tudo.
Quando mudamos a Montevideo foi muito difícil encontrar apartamento, a princípio pensamos em comprar um imóvel, mas desistimos porque o preço é muito alto, aí passamos a buscar um lugar para alugar.
Levamos 2 meses na busca, não é fácil tratar direto com o proprietário, a maioria dos imóveis estão com as imobiliárias. E sempre pedem as garantias, mesmo fechando direto com o dono.
Procurei apartamento nos sites Gallito, Buscando Casas e perguntando no bairro que estava interessada em morar se alguém sabia de apartamentos para alugar.
BVU - O idioma foi uma barreira em algum momento?
Sim, quando cheguei aqui podia entender bem, até porque o Francisco fala comigo em espanhol, mas eu não falava direito. Ainda não sinto que falo bem, sei que tenho muita coisa para aprender. Fiz curso de espanhol, me ajudou bastante, mas tive que parar porque não coincidia com os horários do trabalho que consegui. Espero poder retornar às aulas.
Eu recomendo que as pessoas estudem e deixem essa coisa de é parecido ao português de lado. Toda entrevista que fiz foi em espanhol e se você não domina o idioma, fica difícil convencer.
BVU - Com o que trabalhava no Brasil e com o que trabalha atualmente?
Sou psicóloga, no Brasil trabalhava num consultório particular atendendo 3 vezes por semana, uma vez por semana atendia numa ONG e numa clínica.
No Uruguay trabalho como atendente de call center, por vezes é frustrante, sei que poderia estar fazendo outra coisa mais interessante e que me faz mais feliz, por outro lado tenho esse trabalho de ouvir as pessoas diariamente, embora não possa fazer muita coisa, pois tenho que seguir o protocolo de respostas da empresa.
O trabalho me ajudou muito, trabalhar faz bem, me insere num grupo social, fiz muitas amizades, mas não posso dizer que é o que gosto de fazer, alivia saber que é algo temporário, enquanto meu processo de revalida está caminhando.
BVU - Foi difícil conseguir trabalho? O que você acha do mercado uruguaio em relação a estrangeiros?
Sim, não sei se pela época do ano que cheguei ou pelo meu estudo. Tinha acabado de fazer uma pós, então nas entrevistas as pessoas viam que eu era pós graduada em Teoria Psicanalítica e perguntavam se eu não ficaria frustrada trabalhando em outra coisa, por mais que eu dissesse que estava começando a vida no país, que a revalida do diploma demoraria bastante.
Aí fui entendendo que certas informações não funcionavam como um "nossa, que profissional especializada vou ter no meu call center", então aos poucos fui 'empobrecendo' meu CV para ficar mais atrativo, adequado às ofertas que me candidatava. Essa tática deu mais certo para conseguir um trabalho.
O mercado aqui trabalha muito com indicação, chegar numa entrevista sendo indicado por alguém é uma vantagem grande.
Em relação a ser estrangeira, houve uma entrevista em que senti um tratamento diferenciado, fui aprovada pelo RH e faltava apenas a prova de português para conseguir a vaga, era a única brasileira do grupo e fui mal tratada pela pessoa que aplicava o teste e sumiu com meu resultado.
BVU- Você conseguiu alguma oportunidade na sua área de formação?
Não, nunca me chamaram para entrevistas e não é por falta de conhecimento ou experiência.
Não tive retorno para os trabalhos que me candidatei na área de RRHH - não tenho muita experiência - nem para os trabalhos clínicos.
Não posso dizer que foi pelo idioma porque eles nunca nem me ouviram falar rs.
No Brasil não foi fácil construir minha carreira, mas trabalhando em ONG's e empresas com propostas similares, fui conseguindo meus pacientes e penso em fazer o mesmo caminho aqui.
BVU - Te parece um lugar barato para viver?
Só fui perceber que era caro depois de morar aqui, com as coisas do cotidiano mesmo porque por mais que viajasse muito, era sempre aquela rotina de turista que não faz compra do mês ou paga contas de serviços, não percebia o custo de vida.
BVU - Qual item pesa mais no orçamento doméstico? Ex.: educação, moradia, transporte, alimentação, vestuário, etc.
Moradia pesa mais, o aluguel é caro, e as contas da casa também. Acho transporte barato.
Roupa e sapato no 'dia do centro' (dia do mês quando todas as lojas oferecem descontos) dá para comprar pagando pouco, aqui quando eles falam desconto, é desconto mesmo, super barato, se falam que o cartão tal tem 25% de desconto em determinada loja é verdade, e isso a gente aproveita bem.
BVU - Você já sofreu algum tipo de preconceito no Uruguay?
O que acontecia muito no início era quando percebiam que eu era brasileira, era como se tivessem uma permissão para serem mais engraçadinhos, um pouco mais atrevidos.
Fora isso, as pessoas aqui sempre me trataram muito bem.
BVU - Qual foi a maior dificuldade de adaptação?
Gosto da comida daqui, mas sinto muita falta da variedade de frutas e comidas do Brasil. Algumas coisas são difíceis de encontrar e eu não cozinho muito bem, sinto falta do sabor da comida caseira.
Lá eu podia comprar uma marmita com um almoço gostoso pagando 5 reais, aqui sai caríssimo. É muito raro encontrar um restaurante que faça suco, quando tem é só de laranja rs.
Quanto ao clima foi tranquilo, faz mais frio do que em São Paulo, mas achei que o inverno passou rápido.
BVU - Há alguma informação que se você soubesse antes de ir, teria facilitado ou acelerado seu processo de adaptação?
Eu me preparei muito para a viagem, fiz muita terapia discutindo o caso, durante esses 2 anos viajei umas 20 vezes ao país, tinha noção do tempo que ia demorar com a documentação e revalida, não sabia muito dos preços de aluguel, mas não interferiu muito no meu processo de adaptação porque tínhamos um lugar para morar.
O mais difícil de ir morar fora é uma coisa que você não tem como se preparar, que é todo o desconcerto, desorganização dentro de você, é lidar com as suas emoções, suas faltas, frustrações, seus sonhos, e a mistura do que você perdeu e está ganhando, eu sinto que é a parte mais difícil de lidar na mudança e enquanto você não vive, não tem como reagir.
Tem a felicidade de viver o que escolhemos, de investir numa vida nova, mas tem a saudade de casa, da família que também são sentimentos muito fortes. Transformar o mundo novo na sua casa leva um tempo, e você precisa estar muito bem amparado.
Faria tudo de novo, não me arrependo das escolhas que eu fiz, morar aqui é o que eu quero, mas não é todo dia um mar de rosas.
BVU - O que você espera conquistar a médio ou largo prazo vivendo no Uruguay?
Tenho certeza que vou construir meu consultório aqui, construir meu espaço profissional.
Pretendo também me naturalizar e buscar algum emprego na saúde pública ou em alguma ONG que é um trabalho que adorava fazer no Brasil.
Espero construir minha família com o Francisco e poder viver minha vida, ter tempo para sentir, mais liberdade para deixar meus pensamentos fluírem, o que não tinha em São Paulo.
Aqui eu sinto que aproveito muito bem qualquer passeio que eu faço, acho as coisas mais naturais, não vejo um apelo tão forte ao consumo, é tudo perto, em 1h você vai a um balneário, anda de bicicleta, toma um sorvete artesanal e eu gosto de viver assim.
BVU - Qual conselho você daria a quem está pensando em viver em terras charruas?
Se organizar, vejo muita gente que vem na loucura, não consegue se manter e acaba voltando ao Brasil. E se preparar mais com o espanhol, abre muito mais portas chegar aqui dominando o idioma.
Vanessa em Parque del Plata
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Agradeço demais a confiança, na torcida para que seus caminhos tenham muita luz e você conquiste tudo o que deseja, Van.
Fico muito feliz por mostrar as histórias de pessoas corajosas, persistentes, que estão correndo atrás dos seus sonhos e espero que vocês tenham gostado também desse bate-papo! ;)
Abraço!