Há mais de um ano tenho esse texto guardado. Há mais de um ano fico em cima do muro sobre publicá-lo ou não.
Primeiro porque acho muito difícil encontrar o equilíbrio justo para descrever minha experiência morando em Montevidéu de um jeito que seja útil para outras pessoas.
É mais fácil - e gostoso - contar sobre o restaurante divino que conheci no fim de semana.
Já reclamaram que eu falo desses assuntos da vida no Uruguai (emprego, moradia, custo de vida) sem uma pesquisa que respalde meus argumentos e isso não está certo. Risos.
Não me leve tão a sério, não quero tomar o lugar do Ibope ou Datafolha. O blog é modesto desde sempre: Uruguai por uma brasileira, é só minha opinião sem a pretensão de ser a única verdade, tá?
Segundo porque os textos ficam imensos e pouca gente tem paciência de ler, é tanto tempo tentando colocar os sentimentos no papel, no final a maioria das pessoas esperam que eu diga se elas podem viver aqui ganhando X, quanto custa um apartamento '''bom''' em reais e se elas vão demorar para conseguir emprego.
E só posso indicar sites para pesquisarem e contar como foi comigo, mas tem gente que acha pouco, acha ruim, fica com preguiça.
Depois tem as dúvidas sobre documentação, tirei meus documentos uruguaios faz tempo e não acompanho as normativas e decretos para saber o que mudou ou não no processo.
Essas informações encontramos nos sites oficiais, os documentos que precisam apresentar para solicitar a residência estão bonitinhos detalhados nos sites da DNM e Consulado Brasileiro, se a sua situação não está abarcada nos textos eu não faço a mínima ideia como resolvê-la, de verdade.
Observo que muita gente tem o Uruguai como válvula de escape, os e-mails que recebo em grande parte seguem a linha do 'cansei do Brasil e quero viver num lugar sem corrupção, violência, onde meus direitos sejam reconhecidos e o ser humano seja valorizado, etc e tal'.
Algumas pessoas imaginam realidades nórdicas, aliás muita gente queria ir para um lugar decente - nas entrelinhas Europa - mas o Uruguai está aqui do lado, sabe como é, mais fácil.
Talvez embalados pelas declarações do ex-presidente Mujica e/ou dados que apontam os melhores índices sociais da região, o Uruguai acaba sendo uma opção viável para o sonho de mudança e uma vida melhor, com menos impostos e mais segurança.
É preciso calma e bom senso para avaliar essas informações. Eu amo esse país, mas negar que existem problemas seria no mínimo estupidez.
Me preocupo quando vejo famílias inteiras querendo passar por uma mudança sem realmente pesar as consequências, porque ver pessoas tirando um ano sabático ou buscando uma experiência diferente por um período de tempo determinado é muito animador, mas ver famílias inteiras rompendo laços para tentar a vida numa terra dos sonhos sem a menor estrutura, são outros quinhentos, pelo menos na minha cabeça.
A vida no Uruguai é dificil para quem chega com um CV, a cara e a coragem.
Conseguir trabalho na própria área de atuação é tarefa árdua (salvo na área de TI). Não importa se você tem mestrado, doutorado, fala 11 idiomas e tem experiência. É difícil e ponto. Claro que quanto mais conhecimentos tiver, melhores oportunidades você terá, mas ainda assim romper a barreira do QI e da desconfiança dos recrutadores leva tempo e requer sorte.
Sobre o QI, vulgo quem indica, em empresas que trabalhei, os funcionários recebiam um mimo de mil doletas por indicação que resultasse em contratação (não para os cargos básicos de administração, mas na área de TI, por exemplo). Nao sei você, mas por mil doletas eu andaria com o CV dos coleguinhas na bolsa, só pela dúvida, vai que abre vaga, né?
Até nesses trabalhos meia boca do mercado português a indicação era a chave para entrevista. Várias vezes o pessoal do RH me pedia indicação, eu perguntava as amigas e era unânime a resposta: mas Jami, já enviei meu CV para o e-mail que saiu no jornal/site e nunca me ligaram. Depois que imprimia o CV e entregava a recrutadora, as meninas eram chamadas para entrevista no mesmo dia. O mesmo CV, a mesma vaga, caminhos diferentes.
O custo de vida eu continuo achando altíssimo e muita gente quer comparar com o Brasil, acho que só faz sentido comparar se você vier com uma renda fixa, se for trabalhar aqui, avalie os custos com base nos salários oferecidos no Uruguai.
Eu mudei em 2011 e até hoje os empregos do mercado português pagam mais ou menos a mesma coisa, em média 16 mil pesos líquidos. Para a vida que eu levava no Brasil depois de formada e esperava manter no Uruguai, esse valor não pagaria nem meu aluguel. Para a vida que eu levava como intercambista no exterior dividindo apartamento sem muitas exigências com outros estudantes, esse valor estaria razoável.
Em diferentes fases da vida teria um parâmetro diferente, imagina estabelecer isso para outras pessoas que eu não conheço. Não é má vontade quando perguntam com quanto se 'vive bem' e eu respondo depende.
Hoje eu diria que para um casal viver confortavelmente (dentro do que eu subjetivamente entendo como confortável), teria que conseguir uma renda mínima de 60 mil pesos. Pode parecer tranquilo cada um conseguir um emprego que pague 30 mil pesos líquidos, mas sendo recém-chegado, sem contatos e com espanhol mais ou menos é complicado (para ser sincera, até hoje não dei essa sorte e já teria arrumado minha trouxinha se não tivesse uma renda no Brasil que banca parte dos meus gastos).
Aliás, sobre o espanhol não poucas vezes me perguntaram se é mesmo importante. Oi? Você já imaginou se conseguiria desenvolver o seu trabalho atual se não falasse português ou se entendesse bem, mas falasse mais ou menos? Se você achar que poderia desenvolver essa mesma atividade sem poder comunicar-se, talvez você consiga um trabalho similar sem falar espanhol.
Quando me perguntam o que eu acho de tentar a vida aqui, eu acho que depende de muitos fatores. Não é a mesma coisa chegar com uma reserva financeira (óbvio que encontrará mil portas abertas para empreender, alugar, comprar, contratar serviços, etc) e chegar com a grana contada precisando arrumar emprego em 30 dias.
Outra coisa que me chama atenção é essa ideia que os brasileiros têm do Uruguai ser a Amsterdam das Américas, algo que eu, particularmente, não vejo acontecer. Pode fumar maconha na rua, na chuva, na fazenda? Pode! Mas não sinto que a sociedade - o senso comum - é toda super pra frentex, mega evoluída, pererê e parará. Acho, inclusive, que o uruguaio é em muitos aspectos bastante conservador.
Quando cheguei em Montevidéu não entendia porque eles - os uruguaios - reclamavam de tanta coisa.
Ah, essa gente não sabe o que é problema de verdade. Pensei muitas vezes.
Mas ó: sabe, sim! E só vivendo aqui para perceber essas nuances, sacar a malandragem, se virar na vida ganhando em pesos.
Voltei a viver no Uruguai depois de um ano morando na Irlanda. Na primeira semana de volta:
- Levei um banho da imigração para pegar a cedula, horas e horas em filas (e grávida, prioridade mandou um beijo), pingando de um lugar a outro e sempre aparecendo um documento que eu não tinha e era necessário, mas que ninguém avisava antes;
- As idas aos supermercados cheias de surpresas, consumir muitos itens parece coisa de rico. Não acho justo, por exemplo, que produtos exportados daqui sejam mais baratos lá na Irlanda ou no Brasil;
- Fico indignada quando lembro que deixaram o vidro do carro em pedacinhos (é, tentaram roubar) apenas no tempo que fui a uma consulta médica e voltei.
Podia ter sido no Brasil, mas aconteceu no Uruguai.
Como não estou aqui para ficar chorando as pitangas, a primeira semana teve também encontro com pessoas especiais e que estavamos morrendo de saudades, teve churrasco e doce de leite, teve passeio na rambla sob um calor de 40 graus, teve por do sol de cinema, teve conquista de emprego novo, teve sorrisos e amor.
Podia ter sido no Brasil, mas aconteceu no Uruguai.
E toda essa conversa por quê, Jamile? Porque eu já recebi centenas de mensagens de pessoas que se dizem cansadas do Brasil, cansadas de pagarem impostos e não verem retorno, cansadas da Dilma e do PT, cansadas de serem desrespeitadas e que imaginam que aqui do outro lado da fronteira esses problemas irão terminar como mágica.
E não é bem assim! Aqui é maravilhoso, mas não posso fechar os olhos para a existência de corrupção, criminalidade e o fato da gente também pagar uma grana em impostos e também precisar pagar assistência médica privada, seguro de carro, escola das criancas, etc.
Toda essa conversa para dizer que nem sempre a grama do vizinho é mais verde como parece. Para dizer que é preciso separar o que é notícia pop e o que é realidade, entender que uma coisa é ser turista e outra morador.
Morar fora envolve sentimentos que pesam mais do que apenas números. Já morei em lugares onde as oportunidades a longo prazo eram maiores, onde ganhavamos mais dinheiro, viajavamos mais, consumiamos mais, havia mais segurança, o Estado se fazia mais presente e todo esse cenário divino não foi suficiente para nos fazer permanecer por muito tempo.
Tenho total convicção que n
ão foi o índice de IDH ou PIB per capita que me fizeram adotar o Uruguai como casa.
Por fim, mudar de país não é como mudar de bairro. É uma mudança que mexe muito com a gente e para bancar essa montanha russa de emoções é preciso ter estrutura - emocional e financeira.
É outro país, outro idioma, outro clima, outra cultura, outros hábitos (válido também para quem vem do Sul do Brasil, não dá para pensar que é a mesma coisa porque se toma mate e faz frio no inverno! Acredite, eu sou muito mais parecida as amigas gaúchas do que as uruguaias, estou falando em termos de
background, obviamente
).
Levar isso em conta é também um sinal de respeito a história do novo lugar.
E chegando aqui cada pessoa leva seu próprio tempo para encontrar um espaço nesse mundinho. Para alguns é mais rápido e fácil, para outros nem tanto, como tudo na vida.
Infelizmente não consigo responder todo mundo, mas os sites estão aí para pesquisa:
- Trabalho: Gallito, CompuTrabajo, BuscoJobs
- Aluguel: Gallito, BuscandoCasa, Mercado Libre, OCasas
- Documentação: DGM, Consulado Brasileiro
- Conversor de moedas: FinanceOne
- Supermercados: Tienda Inglesa, Disco, Devoto, Ta-Ta, MacroMercado
Alguns dados para ajudar nas pesquisas: Os preços de imóveis para a venda estão sempre em dólares americanos, a economia uruguaia funciona assim, não é porque você é estrangeiro e estão sendo espertos.
Então um apartamento não custa 300 mil pesos ou a bagatela de mais ou menos 30 mil reais como me perguntam t-o-d-o dia, esse precinho aí está em dólares, são 300 mil dólares, ou bons 900 mil reais.
O dólar está disparando e não vejo nenhum reajuste de preços no mercado. Quem fez financiamento senta e chora, mala suerte.
Aluguel pode estar em dolares ou pesos, para não ter mais erro: u$ quer dizer pesos uruguaios e U$$ dólares. Gastos comunes seria o equivalente a condomínio. É comum não ter garagem incluída, há muitos estacionamentos em todos os bairros (paga-se mensalidades de cerca de 2 mil pesos para o carro não dormir na rua).
Para alugar apartamento você não vai precisar da figura do fiador, mas precisará apresentar garantias (comentei a respeito nesse post). E dói o bolso. Se alugar com imobiliária, precisará pagar ainda a comissão. Sim, o inquilino paga comissão no valor do aluguel aqui.
Um real no cambio sofrido de hoje vale 7,90. Se não quiserem usar um conversor de moedas online, usem uma calculadora. É chato o dia todo receber mensagem 'quanto é isso em reais?'.
Espero ter ajudado e colocado alguns pontos na balança, minha mensagem não é fazer ninguém desistir ou focar nas dificuldades (o que mais faço aqui é mostrar as coisas lindas que esse país oferece), ponderei com franqueza o que gostaria de saber antes de migrar.
E aos que já chegaram ou estão arrumando as malas, desejo um caminho cheio de aprendizado e felicidade. Quem sabe nos encontramos por aí!?
Quem conseguiu ler todo o texto, obrigada pela paciência rs! Sorte e positividade! :)