A Casapueblo vale a pena

Numa publicação aleatória no instagram surgiu o questionamento se a Casapueblo era uma atração que valia a pena ser vista por dentro ou se apenas olhar de fora era suficiente.  


Me perguntam com certa frequência se eu recomendo mesmo fazer a visita e o desenrolar dessas conversas quase sempre se repete: a pessoa ouviu de algum conhecido que foi lá e não gostou ou leu em algum blog alguém dizendo que não era assim tão interessante, plantando a dúvida nesse futuro viajante.

Como pessoa que tá nesse rolê de escrita de vivências há mais de uma década (vulgo blogueira de viagens hehe), busco entender - de verdade - o que uma experiência precisa ter para cumprir, satisfazer o ser humano. 

As pessoas são diferentes, tem interesses diversos, gostos múltiplos e isso é bonito. 

Para gustos, colores é uma expressão em espanhol que define esse leque de opções que felizmente temos para encontrarmos algo do nosso agrado. Nem todo mundo vai amar a mesma coisa e tá tudo bem.


A pessoa não precisa se aproximar da obra do Vilaró - ou de qualquer outro artista - e sair necessariamente emocionada, tocada, identificada. Mas o que leva alguns visitantes a dizerem que não vale a pena é um negócio que eu jamais consegui entender.




Um lugar que tem arte, uma vista linda para o mar, mais um valor intangível de coisas que passaram ali, a casa foi o refúgio de um homem que criou, ousou, viveu. Para além da obra, tem o contorno da trajetória humana. Tudo ali exposto. 

Os pincéis, as cores, as paisagens que alimentaram processos criativos, o acervo de imagens e vídeos, os becos que abrigaram encontros mil. Uma casa moldada com as mãos. Se isso não for suficiente para inspirar, provocar, trazer um aconchego nas subjetividades, eu me pergunto o que então preenche um camarada que não encontra valor nessas coisas? Quais histórias, quais belezas?

Não é fenômeno único na Casapueblo nem com o Vilaró, mês passado fizemos uma viagem pela Provença, estavamos numa cidade minúscula vizinha ao atelier do Cézanne, salvei no mapa e lendo as reviews (um vício claramente desnecessário ler comentários em publicações) tinha muita gente reclamando que era pequeno demais, não tinha nada demais, que o jardim era a única coisa que prestava, etc. 

Era o lugar onde a pessoa criava, a proposta era exatamente essa aproximação real do lugar onde as coisas aconteciam e tinha muita gente decepcionada. O que diabos as pessoas estão esperando? Que abra a porta e lance um foguete ao espaço? Seria mais completo se tivesse algo novo ou mais opulento ainda que distante do que foi originalmente? O que tá acontecendo com as nossas expectativas? 

Eu só consigo pensar como as trends das redes sociais comunicam de uma maneira estranha e vazia, essa corrida de caça likes que cria uma imagem distorcida de tudo, uma estética padronizada, mega estimulada o tempo todo. O silêncio, o singelo, o que carece de imaginação e não cabe em 15 segundos se converte facilmente em tédio, desinteressante.

No que toca a Casapueblo eu vejo um grande surto de 'descobrimos a Santorini da América do Sul', pessoalmente acho que até lembra uma casinha grega (uma casa, tá? Porque o delírio é tanto que já tem gente se frustrando porque queria encontrar uma ilha inteira de casinhas brancas) e o entardecer é tão belo quanto nos seus muitos tons alaranjados que pintam o céu quase diariamente. 

Mas, e o Vilaró nessa fila do pão? Poucos abrem esse parênteses óbvio e as coisas para fazerem sentido precisam também de referências, senão fica perdido num conceito oco de uma casa branca com um por do sol bonito. 

E se for assim só para ver o por do sol e uma casa branca bonita realmente tanto faz estar dentro ou fora. 

Eu amo ir ali na ponta assistir o sol descendo, dos meus lugares favoritos no mundo (não à toa escolhemos a Sra. Punta Ballena para fazer morada). Todo dia tem turistas e locais nessa cerimônia do sol.

A vista bonita e a casa são propostas diferentes que se complementam. A visita nem precisa acontecer nessa hora do dia - possivelmente a mais bonita e também disputada.  

Vá ver a vista e também visitar a casa de corazón aberto para as sutilezas e outras bonitezas  <3 

O textão (quem seguiu até aqui me dá um oi, por favor?) para dizer que sim, eu acho que vale a pena visitar a Casapueblo no Uruguai.

Antes de terminar, vou trazer de novo essas linhas sobre a casa porque vai que você chegou aqui agora:
O artista plástico uruguaio Carlos Páez Vilaró teve uma vida rica em aventuras, expedições, cores, culturas, viajou pelo mundo em tempos pré app's. Fez muitos amigos, personagens influentes como Picasso, Jorge Amado dos tempos que passou lá na minha Bahia, Vinicius quando este exercia a carreira diplomática no Uruguai. Sabe a música icônica da nossa infância 'era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada'? Nasceu de um improviso, uma brincadeira dele com as crianças e filhas do artista na Casapueblo. 

O Vilaró se dizia um fazedor, não foi um arquiteto - já li vários textos com essa info equivocada - construiu a casa inspirado no hornero, o pássaro João de Barro, numa "luta" aberta contra as linhas retas tradicionais, foi intencional a sensação da casa moldada com as mãos. 

Essa casa branca de silhueta irregular que contempla o sol e o mar: beleza e poesia onde quer que a nossa vista descanse, no horizonte através das janelas e sacadas ou no interior com arte colorida e caminhos que por vezes parecem labirintos. Nas paredes encontramos muitas telas que retratam o universo do candombe, ritmo afro percussivo no Uruguai. 

A dica de hoje não é só da casa, é também da vida por trás dela: o artista que pintou, escreveu, construiu, dirigiu, fotografou, tocou, viajou meio mundo, passeou entre rodas boêmias com grandes nomes e gente simples trabalhadora. Uma trajetória livre, imperfeita, humana. 

Eu seguiria linkando várias curiosidades e histórias do artista, desde o resgate do filho na Cordilheira dos Andes (esse ano lançam a série sobre o acidente que impactou o mundo na década de 70 na Netflix, tô curiosa para ver) à fotografia aérea da casa que tem a forma do mapa do Brasil (feita por casualidade pelo brasileiro Eduardo Álvarez que tinha a Posadita de la Plaza em Colônia do Sacramento).

Ouvi a história da foto - que surpreendeu o próprio Vilaró - contada pelo Eduardo que tinha sido contratado para fazer umas fotos aéreas de uma propriedade num tempo que não tinhamos os drones por supuesto, tinha 1h de voo para o serviço que foi concluído uns minutinhos antes, então o piloto perguntou o que ele queria fazer antes de retornar e a resposta foi ver a Casapueblo do alto.  

Observando o material ele percebeu que em determinado ângulo a casa se via com o formato do mapa do Brasil, decidiu revelar uma foto e levar na Casapueblo, com sorte poderia chegar nas mãos do Vilaró, ainda que não fizesse ideia do que representaria pra ele essa imagem. 

Calhou de ser um dia que o artista estava na casa, o Eduardo tinha deixado a foto na recepção como um presente e seguiu curtindo a visita com a esposa, em seguida chamaram avisando que o artista queria conhecê-los e tiveram um encontro lindo, o Eduardo conta que o Vilaró ficou emocionado com a casualidade e muito agradecido pelo gesto, desde então essa foto está na entrada da Casapueblo.

Uma placa diz: sin darme cuenta, Casapueblo se transformó en el mapa de Brasil.  Pouca gente sabe dos bastidores, mas leitor do Viver Uruguay viaja diferente hehe.


Fico por aqui desejando que a visita seja feliz! Até a próxima ;)

7 comentários

  1. deixando meu oi! sigo amando seus textos. e ficou aqui a reflexão sobre o singelo, sem a hiper estimulação da era do tiktok. abraço!

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  2. Quanta riqueza e sensibilidade nesse texto. Muito obrigada por compartilhar seus saberes e experiências. Hoje, visitarei a Casapueblo e meu olhar será muito diferente por ter lido o que você escreveu! Um abraço!

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    1. Ah, Jaqueline! Muito obrigada por ter deixado essa mensagem aqui, deixou meu dia mais feliz (saber que tem gente que ainda lê traz outro sentido para seguir aqui <3 )

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  3. Primeira vez aqui. E você tirou todas as minhas dúvidas sobre conhecer ou não o museu( muitas reclamações de atendimento ruim)... Você tem uma capacidade incrível de entrar no nosso coração. Obrigada por esse texto.

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  4. Você falou exatamente o que sinto com a Casapueblo. É uma experiência mágica e sutil ao mesmo tempo. Cheia de histórias, arte, e um estilo de vida único do grande Vilaró.

    Nossa experiência lá foi transcendental, mas levemente atrapalhada por pessoas conversando alto e rindo, crianças abrindo pacote de bolacha e me encarando enquanto eu me emocionava com o poema da Cerimônia ao Sol hehe. Pessoas que parecem que estão ali para “ver o Santorini da América Latina” e tirar foto. Coitado do Vilaró hehe. Mas tive que colocar na cabeça que isso sempre vai estar presente nas minhas experiências turísticas. Faz parte. Parabéns pelo texto, muito sensível e pontual!

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  5. Tocante essa forma de ver o mundo e de escolher destinos... acho que preciso repensar minha forma de viajar

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