A Montevidéu de Galeano

Há tempos vi uma publicação em espanhol sugerindo um tour em Montevidéu inspirado no escritor Eduardo Galeano e achei a proposta genial.

Os lugares citados não eram nenhuma novidade pra mim, já os conhecia, havia passado inúmeras vezes por eles, mas li a matéria e fiz o itinerário mentalmente, a magia estava na sequência, na referência onipresente do Galeano em diferentes lugares da cidade catalogados numa tacada só.

Fui procurar o texto original, mas a internet - essa terra bandida - replicava em vários lugares e a surpresa foi ver o texto também em português na Folha.  Não sei quem escreveu ou onde foi publicado primeiro, só sei que não fui eu.

Sei também que não era segredo os lugares preferidos do Galeano, em especial na Ciudad Vieja: o Café Brasilero, a livraria Linardi y Risso, o caminho entre a rambla 25 de Agosto e Gran Bretaña. 

Foi o roteiro que intencionalmente escolhi fazer anos depois daquele passeio imaginário no sofá de casa. 

Convidei a Lu e fomos no início de uma manhã desayunar no Café Brasilero, a sorte sorriu e encontramos a mesa junto à janela vazia, era onde o Galeano costumava sentar para ver a vida passar sem pressa.

Dizia que era filho dos cafés montevideanos, neles fez escola. O Café Brasilero era sua casa pública, definia como um lugar onde ainda havia tempo para perder tempo. 

É o café mais antigo de Montevidéu ainda em funcionamento, aberto desde 1877, é um símbolo da boemia local, patrimônio cultural, pelas mesas de madeira do pequeno salão passaram poetas, escritores, artistas e hoje muitos turistas misturados com os trabalhadores e moradores do bairro.


Peguei carona na nostalgia e fiz o pedido de sempre do ilustríssimo cliente: café com leite e medialunas, uma delícia.

Terminamos o café e fomos caminhando até a livraria Linardi y Risso na rua ao lado, uma preciosidade, vários tesouros - exemplares únicos e raros - nas estantes. O Eduardo frequentava a livraria desde os anos 60.


  • Cafe Brasilero: Rua Ituzaingó, número 1447
  • Linardi y Risso: Rua Juan Carlos Gomez, número 1435

O passeio seguiu de carro passando por toda orla portuária da cidade, suspiro especial no trecho preferido do Galeano e meu também, já recomendei várias vezes o por do sol na região do Dique Maua que fica na rambla Gran Bretaña, é maravilhoso.


Fizemos só a parte da Ciudad Vieja, mas há outros pontos para quem quiser passar o dia todinho seguindo os passos do Galeano: conhecido pelo entusiasmo com o futebol, o glorioso estádio Centenário é facilmente associado à imagem do escritor. Assim como o prédio do jornal semanal Brecha, uma publicação independente e de esquerda que teve o Galeano como um dos fundadores.

Para inspirar ainda mais, compartilho uma joia que encontrei casualmente no youtube: um programa onde em pouco mais de meia hora, o Eduardo fala da sua relação com Montevidéu e faz uma leitura do país, pincelando aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais.

O ritmo é pausado, os recursos do vídeo são antigos, mas é pura poesia, seja pelas palavras ou estética da vida  comum, cotidiana que passa de fundo.

Lembrando que você não precisa concordar para respeitar, tá? 

Esse passeio na Ciudad Vieja foi minha escolha para aproveitar meu último dia em Montevidéu.

Poderia ter ido para qualquer lugar na manhã prévia ao voo que me levaria ao ano quase nômade, mas quis ir para a Ciudad Vieja, coração da cidade. 

Nossa última parada foi num lugar alheio ao circuito catalogado do Eduardo, aparentemente.

Fomos na livraria Escaramuza e assim que entrei, bati o olho na coleção infantil Anti-princesas/Anti-heróis e tinha o livrinho do Galeano. Comprei imediatamente e guardei na mochila para mostrar a minha filha no voo.

No avião, enquanto corria uma lágrima vendo o Rio de la Plata desaparecendo, cheguei na última página. Os versos diziam:

-O mundo é isso - revelou. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não há duas fogueiras iguais. Há fogos grandes e pequenos, e fogos de todas as cores. Tem gente de fogo sereno que nem percebe o vento e gente de fogo louco que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar e quem se aproxima se incendeia. 

Fechei o livro. Sorri. O mundo é um mar de fogueirinhas e eu também estava vendo lá do alto do céu. Com afeto, gratidão e poesia.

Um roteiro diferente e mágico na capital, sem dúvida.

10 comentários

  1. Pah, me mataste. Coração em lágrimas!

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  2. Nossa que delícia de blog! vc é simplesmente maravilhosa! eu e meu marido amamos Uruguay e todas as suas dicas! gratidão por dividir estas preciosidades! Beijos Sandra

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  3. Ei, Mile! Estou planejando uma viagem para Montevidéu em julho e achei seu blog incrível. Parabéns e obrigada! Beijos

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    1. Estamos, eu e minha companheira, indo agora dia 03 de julho e voltamos dia 7 de julho. Quando irão?

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  4. Eu vim para o Uruguai com o meu marido e seu blog é simplesmente maravilhoso! Sigo suas dicas sempre :) só agora no final da viagem que vi que vc tinha um guia.. uma pena!!

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